Por favor, após ler este texto, diga o que traz saudade em vc.
Nada nesse mundo tem mais toneladas do que a saudade, nada.
Saudade é uma dor imensurável e sufocante presente em cada hiato. É sentimento
abstrato que esmaga o peito como se fosse concreto. A saudade é a vírgula
quilométrica enraizada entre dois pontos, dos muitos textos que a vida
infelizmente pausa por falta de prosa e até pelo excesso de rosas. Saudade
afia os ponteiros do relógio, transforma poucas horas em cortes profundos,
dominados por flashbacks com ardor de álcool cuspido sobre ferida aberta, aparentemente
incicatrizável. A saudade nos afoga com as águas calmas do passado, desfoca o
presente e congela o futuro como faz o frio polar de uma nevasca.
A saudade transforma qualquer música em motivo para pensar
naquilo que partiu dentro de um avião, que nunca deveria decolar, nem por
decreto do Papa. Saudade é emoção indivisível, razão incontestável para
relembrar o gosto inesquecível daquela pessoa que mudou nossos passos, gestos e
hoje, infelizmente nos considera gasto, empoeirado. A saudade é a sombra
maldita que não precisa da luz solar para nos seguir por cada calçada da vida.
Ela repousa num banco de passageiros vazio, dorme em nossa insônia, esconde-se
nos presentes que prendemos em caixas lacradas, blindadas pelo medo de encarar
as memórias boas.
Ela transforma comercial de televisão em lágrimas reais, faz
homem barbado virar menino ansioso em dia de natal, como um cachorro que espera
o dono todo dia ao pé da porta, mesmo que esse nunca mais volte pra casa. A
saudade enlouquece, embriaga, faz o mundo todo ter uma só cara e nenhuma cura.
A saudade é um bar que já saiu rotina, um prato de risoto que foi comido antes
do gozo, um beijo único no meio do olho. É o medo de perder uma peça em meio à
multidão e nunca mais encontrar outro alguém que encaixe tão bem nesse
quebra-cabeça. Saudade é temer a vinda do novo e teimar em achar que o velho
sempre será a melhor parte dessa obra de arte, chamada vida.
A verdade nua e crua é que ninguém nesse palco real está imune
ao pesar da saudade, a dor latejante das inevitáveis partidas e aos
planejamentos que talvez permaneçam inacabados até o fim da vida, esquecidos
numa lista eternamente guardada no fundo da gaveta, mas nunca jogada fora.
Desconheço alguém nesse universo grandioso que não tenha perdido o chão, a
cabeça, a pose e até mesmo a sanidade quando deu de cara com esse tal
sentimento com aparência de muralha intransponível e cheiro de fotos velhas.
Não existe colete à prova de saudade, nem formas de blindar nossa vida dos
estilhaços daquilo que vai e nem sempre volta.
Sendo bem sincero, existem sim algumas dicas para quem não quer
esbarrar com a saudade: recuse toda e qualquer alegria que te faça gargalhar
até sentir dor nos músculos da barriga, nunca se envolva com pessoas capazes de
colorir teus dias mais cinzas e chuvosos, coma tudo sem sal e sem tempero, não
viaje, não saia de baixo do edredom por nada, não beije nem na bochecha,
não faça sexo e em hipótese alguma conheça seus avós se a vida lhe der essa
oportunidade imperdível.
Não sei você, mas eu prefiro carregar essas mil toneladas de
saudade, ainda que em meio a lágrimas e memórias martelantes, pois só assim
terei a certeza que estou vivo de verdade, sem talvez, nem porém. Afinal,
saudade é corpo de delito das coisas boas da vida.
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